VIDA&

O ESTADO DE S.PAULO

 

Quarta-feira, 27 de Outubro de 2004

Sexo a distância e anticoncepcional em plantas

Fernando Reinach

Descobriram que o pólen de grama pode viajar 21 quilômetros e fertilizar outra grama. A grama Agrostis stolonifera é a nova recordista mundial. Superou a canola (3 quilômetros), o rabanete e o girassol (1,5 quilômetro).

Para isolar sexualmente uma variedade de grama do resto das gramas é necessário criar uma zona "desmilitarizada" de pelo menos 25 quilômetros em volta da plantação. Como a Agrostis é usada nos campos de golfe nos EUA, para diminuir o custo de arrancar as ervas daninhas foi desenvolvida uma variedade que contém o gene de resistência ao herbicida glifosato. É mais fácil e barato matar as ervas daninhas borrifando o glifosato do que arrancá-las uma a uma. As ervas morrem e a grama resiste ao herbicida. É a tecnologia usada na soja transgênica.

A disseminação de genes faz parte dos mecanismos que garantem a diversidade dos seres vivos. Os exemplos são muitos. No Nordeste brasileiro, a disseminação dos genes que codificam para olhos azuis e cabelo louro se iniciou durante a invasão holandesa de Maurício de Nassau e continuou durante a 2.ª Guerra Mundial, com a instalação das bases americanas. Algumas vezes o homem dirige o processo de disseminação, como na criação de animais domésticos ou no desenvolvimento de novas variedades de plantas. No caso dos genes de resistência aos antibióticos é difícil controlar o processo. Os genes passam de uma bactéria para outra tornando as bactérias resistentes aos antibióticos.

Carregar um gene tem um custo para os seres vivos. O gene necessita ser copiado cada vez que uma célula se divide. Este custo torna a planta menos competitiva frente às plantas que não carregam o gene. Por esse motivo um gene só é mantido se trouxer vantagens. Em uma plantação de Agrostis borrifada constantemente com glifosato, o gene que confere resistência ao herbicida traz uma vantagem competitiva, sendo indispensável para a sobrevivência da planta. Por outro lado, se o vento levar o pólen da Agrostis para uma área de grama sem glifosato, em um primeiro momento surgirão plantas com o gene. Após algumas gerações, as plantas com o gene perderão a competição e o gene tende a desaparecer. Sem uma pressão seletiva em favor da sua manutenção, qualquer gene é eliminado. É a dura realidade da competição pela sobrevivência descoberta por Darwin. O fato de um gene se espalhar não garante sua manutenção no meio ambiente.

O interessante é que existe uma solução para este problema. Genes que tornam as plantas estéreis podem ser colocados na planta juntamente com os genes que causam o efeito desejado. Seria como se produzíssemos uma Agrostis resistente ao glifosato, mas incapaz de produzir pólen. Uma grama vasectomizada. Apesar de ter o potencial de resolver grande parte do problema de disseminação gênica seu uso foi violentamente combatido. Uma planta estéril forçaria o agricultor a comprar sementes todos os anos.

Mais detalhes no site www.pnas.org/cgi/content/abstract/0405154101v1.

*Fernando Reinach (fernando.reinach@estadao.com.br) é biólogo