Folha de São Paulo 28 de maio de 2004 TENDÊNCIAS/DEBATES Doutores para quê? FERNANDO REINACH e JOSÉ FERNANDO PEREZ
O setor acadêmico não deve e nem pode absorver todos os doutores formados no Brasil. A falta de oportunidades é a principal causa da evasão de cérebros. Afinal, para os países desenvolvidos, é sempre mais barato importar doutores do que investir na sua formação. Um título de doutor é o melhor passaporte para obter um visto de trabalho nos EUA ou no Canadá. Uma estimativa conservadora demonstra que a formação de um doutor requer um investimento de não menos do que R$ 200 mil, o que, no Brasil de hoje, corresponde a um investimento anual de aproximadamente R$ 1,4 bilhão. O que fazer, então? Diminuir o investimento na pós-graduação ou incentivar a contratação de doutores pelo setor privado? Propomos uma resposta simples: que a contratação de doutores pelo setor privado, desde que para a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento, seja desonerada de todos os encargos sociais. Essa desoneração valeria para os dez primeiros anos após a obtenção do título de doutor e só teria valia para títulos outorgados por pós-graduações credenciadas pelo Ministério da Educação. Formulado dessa maneira, o incentivo traz muitas vantagens: é de simples verificação, pois a lista de doutores é pública e de conhecimento do MEC. É de valor conhecido e pré-definido, pois, na melhor das hipóteses, seria estendido a aproximadamente 50 mil pessoas nos próximos dez anos. É limitado no tempo, pois removeria do grupo com isenção os doutores com mais de dez anos de formados, período suficiente para uma bem-sucedida inserção no processo de inovação. Além das vantagens de implementação, esse subsídio pode desencadear um ciclo virtuoso: deve gerar empregos, pois a contratação de cada doutor em processos de inovação gera de 10 a 15 empregos diretos nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento. Deve permitir a proliferação de empresas de base tecnológica, onde pesquisadores constituem o cerne da força de trabalho. Deve incentivar a expansão do sistema de pós-graduação, aumentando o mercado de trabalho. Deve incentivar o investimento privado no sistema de pós-graduação. Deve contribuir para a diminuição da fuga de cérebros. E, finalmente, essa medida deve aumentar a interação entre as universidades e as empresas. Afinal, a criação, dentro das empresas, de um corpo técnico que domina a linguagem e a cultura científica é pré-condição para que haja o diálogo e a colaboração entre os setores empresarial e universitário. O impacto dessa medida seria imediato. Os custos para a contratação de doutores teriam uma diminuição de aproximadamente 50%. As empresas dispostas a investir na inovação tecnológica teriam um estímulo muito forte, pois o insumo mais caro nesse processo são os recursos humanos. Essa medida tem a vantagem adicional de permitir que as empresas decidam livremente em que direção devem caminhar seus esforços em pesquisa e desenvolvimento. Não se trata aqui de propor a criação de privilégios para uma categoria de brasileiros que tiveram uma educação sofisticada. Trata-se de garantir que a nação tenha, na forma de desenvolvimento tecnológico, retorno sobre o investimento que faz na formação de seus pesquisadores. Acreditamos que somente o desenvolvimento tecnológico e a inovação permitirão que nossa indústria seja competitiva e capaz de gerar empregos e riqueza de maneira sustentável. Nossa resposta à questão inicial é simples: doutores para a inovação! Fernando Reinach, 48, professor titular do Instituto de Química da USP, é diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios. Foi presidente da CTNBio em 1999. José Fernando Perez, 59, professor titular do Instituto de Física da USP e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, é diretor científico da Fapesp. |